domingo, 29 de agosto de 2010

SUPEREXPOSTA

correndo contra a luz oblíqua que inunda o largo do machado me vejo mais sombra e silhueta do que pés, pernas e sapatos que atravessam a rua. folhas de chá caem da minha bolsa, restejam pelo asfalto, vestígios que o vento se encarrega de levar. camelôs, táxis, motoristas e uma pequena multidão transeunte não percebem que entro no ônibus pensando em você.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O EFÊMERO E O PERPÉTUO

“o que a fotografia reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”.
Roland Barthes

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

LAPSOS DO TEMPO


fotografia de felipe cohen
procuro cultivar o gesto de falar sobre imagens que  me inspiram. e  algumas delas, especialmente, me instigam de maneira desconcertante.  e desde que vi essa fotografia sinto-me estimulada a falar algo. precipito-me, portanto, nesse exercício e corro o risco do  óbvio ululante e de não conseguir tampouco traduzir em palavras aquilo que vejo.

o que mais seduz nessa imagem e a sobreposição dos tempos que se mostram. há o tempo do instantâneo, do click, o tempo do agora, em que a ruína está sendo escamada e descascada para receber um outro tempo, o futuro do presente, expresso no olhar atento e concentrado da mulher que reflete sobre aquele espaço como uma  conjugação do passado com o presente e o futuro. tudo se revela no tempo suspenso da observação da ruína e que se sustenta no gesto indagador.

os tons e semi-tons amarelados das paredes descamadas e dos cabelos da mulher caminham, de maneira sutil, em direção a um sépia que aponta, decisivamente, para uma névoa de tempo que paira sobre a imagem. e no exato instante que esse névoa de tempo começa a se dissipar, a imagem se volta para o passado, mais precisamente, pode-se dizer, para o passar dos anos,  à ação do tempo sobre as coisas. e mais do que mostrar épocas distintas ou a idade das coisas, essa fotografia é pura memória do tempo. viva, transformadora e  inquietante.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

TRAVESSA EURICLES DE MATOS

a travessa euricles de matos é apenas uma quadra. fica entre a rua das laranjeiras e a rua conde de baependi. não tem nenhum prédio. somente casarões e árvores habitam essa rua, que é linda e empresta um visual completamente bucólico pra esse pedacinho tão movimentado de carros e pessoas que é essa redondeza. quem passa por ela sabe que ela é um atalho para os moradores de laranjeiras. seus casario é antigo antigo, deve datar de meados do século, ou um pouco antes. tem muita cor nessa travessinha. os casarões são coloridíssimos e tem muito verde também. mas, infelizmente, a noite é super mal iluminada e serve de abrigo para mendigos e de banheiro para cachorros. é uma pena o descaso da prefeitura em relação a esse pequeno oásis para os olhos de quem mora numa cidade grande tão verticalizada. eu passo por ali todos os dias, é o meu caminho da roça, ou melhor, o caminho da escola da minha filha. o melhor caminho até a escola da minha filha.  eu poderia fazer outros trajetos mas sempre passo por ali, tem sombra, pouco movimento e, principalmente, cores. resolvi, então, registrar o meu olhar sobre a travessa. um olhar de quem atravessa a travessa. há uma variedade de desenhos, grades, lustres, vidros, fechaduras e caixas de correio.  voilà!
mais fotos aqui.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

DIA DE LEMINSKI

dia
dai-me
a sabedoria de caetano
nunca ler jornais
a loucura de glauber
ter sempre uma cabeça a mais
a fúria de décio
nunca fazer versinhos normais
nunca me sentir insultado
com os golpes do acaso e do destino

dai-me
ou eu consigo sozinho





esse poema é da correspondencia do leminski com o regis bonvicino, e na versão original estava escrito "a loucura de walter franco" mas depois o leminski ficou puto da vida com o walter franco. o ano era 78 e caetano tinha lançado o LP 'muito' com 'terra', 'ca já', 'sampa' que leminski achou um desbunde de beleza. walter franco já tinha lançado os geniais 'ou não' de 73 e 'revolver' de 75 e tinha acabado de lançar o 'respire fundo' de 78 que o leminski não só achou uma bosta mas também "oco furado unútil ornamental", uma "banalidade imaginativa desconcertante"e por aí vai, são páginas falando um monte desse disco. e daí leminski trocou a frase do poema (que depois foi publicado em 'caprichos e relaxos', e pediu, num átimo de lucidez, a 'loucura de glauber' que é muito mais bem vinda porque constante, lúdica, instransigente!
dá-lhe leminski no nosso dia a dia!


e leminski, além de poeta, era compositor, vários nomes da MPB gravaram leminski. letra e música! caetano, itamar assumpção, zélia duncan, susana salles, wisnik, moraes moreira, arnaldo antunes, a lista é longa... aliás, seria muito bem vinda uma reunião dessa produção musical do leminsk. até onde eu sei, 'verdura' do LP 'outras palavras' de caetano veloso é a primeira vez que uma canção (letra e música) do leminski que aparece.

PAULO LEMINSKI FILHO. Curitiba, 24 de agosto de 1944 — Curitiba, 7 de junho de 1989.