quarta-feira, 8 de setembro de 2010

SOBRE O CERRADO E SOBRE MIM

o cerrado tem um alquimia muito própria, como todos os lugares, mas é aqui que o céu tem mil cores, uma luz única, um luar resplandencente, uma noite cheia de estrelas e uma natureza que se renova marcando perfeitamente o seu tempo. aqui é o meu lugar de origem, chão de onde brotei, lugar onde me sinto em paz e em equilíbrio. é nesse ambiente que me recolho pra 'muda', troca das penas, da pele, da casca, renovação total, reciclagem geral de sentimentos. banho nas cachoeiras que me viram tantas vezes, do sol da manhã na porta da casa da minha infância, os velhos e bons amigos que, mesmo de longe e mesmo com o passar dos anos e de todas as diferenças, me amam e me respeitam. aqui eu tenho o carinho e o amparo incondicional da minha querida família, o tempero da minha mãe, o cheiro da minha tia, o olhar de meu pai. aqui admiro as flores que eu, desde muito menina, colhia num buquê de variedade enorme - as flores do cerrado, tão pequeninas, secas e duradouras. aqui é quente de dia e fresco a noite. aqui enxergo o meu avô cortando cana pras crianças da casa, sorrindo pra mim, trazendo das suas caminhadas belos ramos de canela pra encher a casa com o aroma do chá que eu mais adoro. aqui meu pai sempre chega. aqui me lembro do homem que passava com um carrinho dizendo: "algodão doooce, trooooca-se a garrafa." e corríamos juntando todas as garrafas verdes e amarelas dos vizinhos pra trocar pela nuvem colorida de açúcar que derretia na boca.... aqui, na infância, trocávamos fios de cobre por pipoca, brincávamos de pique-alto, carimbada, de pular corda. aqui, na rua da minha casa, até hoje calçada de paralelepípedos, quase nunca passava carros, a rua era nossa e no final dela morava um brejo com tabocas altas e rãs branquinhas que pegávamos pra comer. minha mãe odiava que eu usasse as panelas dela pra fazer rã... aqui tem um pé de cajamanga docinha e uma vizinha com horta verde, verdinha, cheia de cebolinha, salsinha, couve fresca, xuxu. aqui sempre tem algum vizinho chegando de alguma fazenda carregado de baldes ou caixotes de manga, laranja, cachos de banana, tudo dependendo da estação. aqui me lembro com imensa nitidez da amiga de infância da minha bisavó, já bem velhinha, sentada no portão de sua casa, tomando a fresca - eu sempre gostei de conversar com ela sobre a minha vozinha. aqui vejo os meus sobrinhos crescerem, meu pai envelhecer, minha mãe se renovar e descobrir outros mundos. aqui vejo meus traços no rosto da minhas irmãs. aqui me vejo sem precisar de espelho algum. aqui tudo sou eu.  pro cerrado eu sempre volto, sempre voltarei. essa paisagem é minha e aqui eu também sou paisagem.

Um comentário:

RG _ into the studio disse...

Acho que conheco essa cachoeira?! Por acaso em la em Uberlandia? Eu esqueci o nome da fazenda... mas se for eu ate ja acampei por la!
Poxa, linda descricao da infancia... tao igualzinha a minha! Que pena que eu nao posso voltar tao frenquente... e tomar banho de cachoeira... {bom, na verdade eu nao gosto de tomar banho de cachoeira porque sou igual gata, e nao gosto de agua fria}, mas eu adoro ficar ali do lado escutando o barulho da agua!Poxa, esse artigo me tocou na alma! Saudades e lembrancas...
Beijos,
Renata