domingo, 31 de outubro de 2010

NO CAOS DA MUDANÇA

me livrei de uns 300 livros, de uns 300 cd's, de uns 40 dvd's, de quilos e quilos de papel, de cadernos antigos e  anotações esparsas. depois vou peneirar os brinquedos de clarice, minhas roupas e as coisas de cozinha.
estou fazendo esse exercécio de limpeza sem dó nem piedade, e a cabeça, a seu modo, nesse processo, vai se limpando junto, como que operando no modo frost free, auto-limpante, sei lá. de qualquer forma, sinto que toda mudança é renovação forte. sacudir a poeira é bom e organizar a vida nas prateleiras, melhor ainda. todo caos carrega a estabilidade com ele, caminha em direção a quietude. e gosto bastante desses rodopios dialéticos que a vida nos oferece, de tempos em tempos, nos momentos certos. a vida não nos engana!

sábado, 30 de outubro de 2010

RETRATO DA BOCA DEPOIS DO BEIJO

ele me ligou da porta de casa exatamente as oito e meia, horário marcado pro encontro. eu, que detesto esperar, já contei um ponto. chegamos no restaurante e tínhamos a melhor mesa reservada. vista para o aterro do flamengo. árvores ao vento e carros passando. adoro o ritual de um jantar, da escolha das bebidas ao cafezinho. decidimos por uma malbec encorpado e água. entradinha leve pra não perder o apetite e papo, muito papo recheado com charme por todos os lados.  o prato principal estava incrível, escolhi um nhoque de abóbora com aspargos, absolutamente bem feito e delicioso. comer devagar e degustar é um privilégio. estava tudo perfeito e a sobremesa só veio coroar todos os sabores. depois, pra continuar a conversa, cafezinho e licor. não existe jantar perfeito que não termine com um contreau. e daí mais café e mais licor e mais papo... já meio embriagados saimos pela madrugada quente... o abraço de despedida exalou cheiros e os breves toques foram comedidos. o beijo foi roubado no último minuto, na porta do elevador de casa, não pude evitar...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

DES-ENCONTRO

eu queria ter dito "suas unhas estão grandes", mas pensei na chapeuzinho vermelho e no ridículo dessa fala. mesmo porque não havia nada pra ser falado... queria ter tocado a ponta do seu nariz queimado... queria também ter abraçado as suas mãos com as minhas e sentido o frio que escorria delas. queria ter ido até a sua nuca, mas fiquei com medo de vomitar os cheiros. tremulei por fora quando você me tocou, as duas vezes que me tocou, meio que pra tirar um cisco, pra puxar uma linha da minha saia. nos olhamos através de várias lentes, mas não deu pra ver nada direito. recusei o presente, quase me arrependi. pacha mama que me perdoe. fiquei com a sensação de que as duas garrafas gêmeas de água não mataram sede alguma. queria ter dito que o amor não é uma porta, mas portais. mas não havia amor algum em nenhum lugar, tampouco portais.... o silêncio que se instalou também não disse nada. só o sol quente e a sombra fresca fizeram sentido naquele encontro absurdo... ainda me pergunto como pode uma distância tão grande numa proximidade tão enorme. coisas da vida e desse viver que é tão perigoso. na despedida, caminhei pelo sol e pela grama verde. o telefone tocou, atendi, um convite pra jantar. aceito? a vida se encaminha de andar sozinha...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

CIMITARRA SUICIDA

sinto uma angústia maior que todas as angústias juntas.  há dias que não me vejo num espelho de verdade, pois cometi um crime contra mim mesma. sinto pânico diante do que está a minha frente e dentro de mim. minhas mãos culpadas, minha consciência perdida, meu equilíbrio em transe. e tudo o que vejo é um espelho, tudo me diz: "isso é você, o pior que existe dentro do você. olha, vê."  há dias não durmo direito, há dias quase nada como. tudo aconteceu quando, num segundo, nem sei ao certo como as coisas se sucederam, eu fiquei cega diante de uma verdade que eu não queria saber, uma verdade que me maltratava, uma verdade que me excluia tão profundamente e tristemente que me perdi de mim mesma e me tornei isso que se mostra agora. era uma verdade maquiada por um desejo louco que só respondia a impulsos obscenos e libidinosos. era uma verdade não prescrita no pacto da honestidade prometida, era uma verdade que não cabia nem nas máscaras que outrora vestíamos, nem no rosto lavado com que nos mostrávamos. era uma verdade dolorida que me deixou sem sangue na face, colocou meu coração na garganta e o meu olhar vago como o de um desvalido. meu coração disparado e aos pulos foi crescendo dentro de mim, me sufocando, batendo forte e me asfixiando.. você que me lê, já sentiu o sangue se esvair das faces? sabe o que é isso?  quase sumi, quase virei uma poça d'agua, quase derreti. e não era um verdade escondida, eram muitas que, ao mesmo tempo, num só gesto, destruiram todo o castelo de admiração e desejo. temi pela minha sanidade e estava certa, pois a perdi completamente. e diante da minha loucura, da minha insanidade e da dificuldade de manter o equilibrio frente a essa realidade difícil de entender ou impossível de ser digerida, cometi o crime. punição minha para comigo mesma. punição última e irretorquível. agora acabou, agora morri. quem escreve é uma morta. não sobrou nada, meu mundo caiu e com ele o que fui e que agora não sou mais, nem de longe, e que jamais serei novamente. mas não tive escolha, ou eu me matava ou eu morria à mingua, insone, sonânbula, vadia, faminta. e escolhi, assim, diante do estrangulamento do meu coração, diante de seus pulos insanos, diante de meu desfalecimento irrefreável, enfiar minha mão pela garganta e arrancá-lo. arranquei-o de uma vez de dentro de mim, não ficou nem um pedaço, nada que tivesse vida, pulso ou que demonstrasse qualquer movimento. e com meu coração na mão, inquieto, louco, sangrando ainda, tentei reanimá-lo no sentido de fazer com que ele voltasse a bater como antes, com a tranquilidade de antes, com a sanidade de antes, com o sopro de antes. mas ele não respondeu, estava duro e crescendo. e ai não pude evitar mais nada, não vi mais nada, não lembro direito de nada. o que eu sei bem é que, de posse de uma cimitarra suicida, na cozinha de azulejos brancos imaculados, dilacerei meu próprio coração. fatiei-o todo como uma carne qualquer. foi o gesto mais cruel que já fiz comigo mesma. doeu, sofri, me matei. e cada fatia desse músculo involuntário ainda pulsava sozinha, sangrava sozinha, esvaia-se completamente e se desligava de mim... peguei, então, cada uma dessas fatias ainda trêmulas e espalhei por toda a minha cama. e não feliz de ver cada parte de mim espalhada, formando uma grande mancha sobre os meus lençóis, empapando de escarlate o meu colchão. separei cada uma dessas partes e passei, pacientemente, a ferro quente, cada parte dele, de um lado e de outro, bem devagar. como quem enfia uma faca no peito de alguém e gira lentamente, pra ferida não fechar nunca... e agora, tostado, seco, negro, sem sangue e sem vida, resta ali espalhado como um corpo esquartejado. um lixo dormente e triste que não consigo me livrar, não posso me livrar, pois ali, espalhado sobre a minha cama, aos pedaços, em fatias e irreconhecível, jaz o único coração que ainda tenho.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

CADERNO DE ESBOÇOS

uma das imagens do meu caderno de esboços intitulado "aula de educação artística ou algumas dicas de como ser gente grande".