quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A CASA DA DONA BENEDITA

quando eu era menina, a dona benedita era uma das senhoras mais idosas que moravam na rua onde eu nasci. pra se ter uma ideia, ela era amiga da minha bisavó jerominha, se conheceram quando ainda eram mocinhas. todas as vezes que vovó jerominha vinha nos visitar elas ficavam horas conversando à tardinha... eu me lembro bem de ver as duas conversando no portão, dona benedita sempre ficava sentada ali no segundo degrau. lembro que ela não tomava banho todos os dias, usava um vestido com a marca das mãos nos bolsos, fumava cachimbo e não tinha nenhuma vaidade. os filhos da dona benedita eram todos senhores já com filhos e alguns já tinham netos. eu tinha o maior respeito pela dona benedita. ela era uma velhinha gente boa, não furava nossas bolas, como a vizinha da frente, apesar de não deixar nunca a garotada entrar no quintal da casa dela pra pegar fruta. a casa ainda tem um quintal imenso, com um verdadeiro pomar: diversas bananeiras, abacateiro, pé de cajamanga, mamão, mexerica, laranja, limão, goiaba. tudo cheirava, dava flor e enchia nossos olhos e a boca d'agua. minha mãe não conversava com ela. certa vez, uma das galinhas da dona benedita sumiu e ela acusou minha mãe pela sumiço da dona galinha. minha mãe nunca, jamais, lhe dirigiu a palavra depois disso, nem ao menos para dar um bom dia. considerou um absurdo sem tamanho e ficou realmente insultada, imagina! e minha mãe é dessas que sabe ser dura. dona benedita deve ter morrido perto dos 90 anos, o que, naqueles idos anos 90, era uma verdadeira eternidade. a casa dela continua ali, intacta, ao lado da casa da minha mãe, apesar de estar precisando de uma boa reforma. não foi vendida porque são inúmeros herdeiros pra uma casa só é nao se entra em acordo comum, o que eu acho bom, pois, afinal, a casa é uma das relíquias do bairro bom jesus. acho que a prefeitura deveria comprar, desapropriar aquela casa pra se criar ali o museu do bairro, lugar de memória, patrimônio a ser visitado. a casa ainda é daqueles tijolinhos de adobe, o barro armado, como se dizia antigamente. um exemplar raro de arqutietura vernacular que resiste a modernização dos bairros e das cidades. imagino que a construção deva ser dos anos 40.  a rua brasília, onde eu nasci e onde essa casa mora feliz há muitos e muitos anos ainda é de paralelepípedo. creio que se algum dia eu chegar na casa da minha mãe e ver a rua asfaltada ou a casa da dona benedita demolida ou reformada de maneira indevida, vão morrer um tanto das lembranças que até hoje se mantiveram indeléveis na minha memória. torço pra que isso não aconteça!

Um comentário:

Anônimo disse...

Sim tempos que não voltam mais! Todos nós temos os nossos... mas infelizmente ou felizmente o tempo é uma seta que aponta para frente!

Amo essa arquitetura de interior de casas de calçada de fazendas antigas.. as que eu mais gosto são as coloridas em cidades bem pequenas na beira das estradinhas de terra cheias de poeira mas a pintura intacta, o interior simples mas brilhando de limpo com aquele chão de cimento vermelho... mesinha de madeira com toalha de renda branca e um vaso em cima... e moradores com uma receptividade impar...lIndo!

Klacius