segunda-feira, 6 de abril de 2015

SOBRE A CULTURA DA VIOLÊNCIA

Breve, mas contundente, reflexão de Miguel Vell que compartilho aqui por achar importante a relação que ele faz da violência com a cultura  e a infância. Menores sendo mortos com tiros de fuzil em processos de pacificação da cidade, fechamento de teatro voltado à formação de público infantil, projeto de redução da maioridade penal... absurdo, absurdo, absurdo.



"Falo do ponto que me toca.
Na mesma semana que a Prefeitura do Rio anuncia o fechamento do Teatro do Jockey (no grupo Reage, artista), mais uma criança é assassinada do outro lado da cidade no conturbado processo de Pacificação (?) no complexo do alemão. O que um assunto liga ao outro, deixo para discorrer mais adiante. Por hora falemos do Teatro do Jockey, encarado pela atual administração da Secretaria Municipal de Cultura como um “problema” a ser resolvido imediatamente. Um problema orçamentário, obviamente. O que se coloca aqui não é o que desrespeitosamente foi colocado na reunião do dia 1º de abril. Uma gestora que está há doze anos à frente de um projeto que dificilmente é lido sem as arcaicas cargas de preconceito que cercam o gênero teatral dedicado à Infância, não poderia ser vista como um personagem incômodo. Acho extremamente desrespeitoso alguém dizer, com toda leviandade possível que também quer um teatro para si, sem entender o que verdadeiramente está em jogo nessa história. A contrapartida está numa promessa de abertura de outros dois espaços em regiões pouco favorecidas culturalmente. Mas não seria melhor ficarmos com o Jockey e com a abertura de novos espaços? Por que uma exclui a outra? Questões orçamentárias??? Poderíamos então levantar outra discussão sobre a manutenção “das excelências”, que absorvem diretamente uma quantia extremamente desigual comparada aos valores dos “fomentos”. Poder-se-ia pensar em novas formas de redistribuição desta verba sanando a chamada “pressão do Jockey Club” em aumentar o valor do aluguel do espaço. Mas parece ser fácil arrastar o Centro de Referência Cultura Infância para um outro lugar, provisório, com data de vencimento breve. Como a própria Infância.
E não, nem todo mundo quer um teatro para si, diferentemente do que foi dito no encontro. Ter um espaço significa ter um projeto. Nesses doze anos de gestão, vivi no Teatro do Jockey momentos que vou guardar para sempre. Como artista, como espectador e como estudioso da Infância. E sei que muitos que estavam presentes no encontro, viveram momentos iguais aos meus também naquele espaço. Mas, nessa hora, é melhor esquecê-los. Como se esquece da própria Infância. Posso arriscar que o Teatro do Jockey foi, durante este tempo todo um dos espaços mais democráticos da cidade. Dialogando com todas as formas de expressão cultural, sejam voltadas para o público adulto ou infanto-juvenil. A Secretaria Municipal de Cultura está, isto sim, desistindo de um dos mais bem sucedidos projetos de gestão, desde a criação deste formato.
Mais uma vez, a Infância é vista como uma forma menor. Em pleno 2015, ainda insistem na nesta cegueira muitas vezes nascida e alimentada pela própria classe artística. Não posso deixar de lembrar que no início da década passada, a mesma gestora arrastava centenas de pessoas em outro espaço, o Centro Cultural Light, para apreciar de forma gratuita uma das melhores fases que o Teatro para a Infância viveu nessa cidade. O Centro Cultural Light é o Teatro do Jockey de amanhã. Alguém sabe do que se passa por lá?
No todo, temos menos um teatro na cidade, temos um novo secretário cumprindo ordens e temos, mais uma vez, um duro golpe em quem insiste em fazer do Teatro para a Infância, um espaço de crescimento e construção, mas se quiserem falar a língua do atual secretário  Marcelo Calero, também um lugar de renovação de público.

Acho que nesta altura do texto, tentar a relacionar a bala que matou mais uma criança em prol de um projeto político deixa de carecer maiores explicações. Mata-se. Literalmente e metaforicamente, mata-se."
Miguel Vell

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